Na luta contra a covid-19, é preciso valorizar a ciência e o que já sabemos
Por Antonio Duarte*
A pandemia da Covid-19 tem sido fonte de aprendizado para todas as áreas da Saúde. Não só pelas recentes descobertas, mas também pela valorização do que já sabemos. Entre as equipes multidisciplinares que buscam a reabilitação dos pacientes, há uma crescente consciência de que o conhecimento já estabelecido pela Ciência e pelas práticas profissionais oferece caminhos confiáveis. Novas ferramentas são sempre desejáveis, mas o adequado uso das ferramentas tradicionais traz segurança de resultados. Isso ocorre com vigor nas unidades de saúde geridas pelo Instituto Sócrates Guanaes (ISG), nas quais cerca de 70% dos pacientes internados com Covid-19 saem andando e, em sua maioria, com plena capacidade cognitiva. É um índice superior à média mundial, estimada em 50% pela literatura médica.
O ISG é uma Organização Social que gere nove unidades de saúde nos estados de São Paulo, Goiás e Rio de Janeiro. Em seis hospitais, os pacientes com internação suspeita e/ou confirmada para a Covid-19 já começam a ser preparados para retomar suas atividades produtivas desde sua entrada. A prática já é adotada como cultura institucional, mas foi ainda mais valorizada e fomentada pelo cenário pandêmico e perfil de gravidade dos pacientes. Ela entrega valor para o usuário do serviço, suas famílias e a economia do país, pois reduz custos no SUS e na Previdência Social. Os esforços para essa desospitalização bem-sucedida começam quando o paciente chega ao hospital, e o serviço de Assistência Social busca conhecer sua rotina e as necessidades individuais na vida em sociedade. A partir dessas informações, um plano é traçado para que ele recupere, no próprio hospital, a capacidade de voltar a praticar o que fazia no cotidiano. Velhos conhecimentos são adaptados às tecnologias diante dos cenários impostos pela pandemia.
Nesse arsenal estão os estímulos sensoriais constantes – até para quem está sedado. O paciente, por exemplo, é posto em uma cama que permite deixá-lo quase em pé, o que acelera sua recuperação. Essa posição direciona o peso do corpo para o quadril e pernas e ativa o córtex, área do cérebro responsável por operações complexas como o movimento voluntário, fala, visão, tato, memórias e emoções. Outro procedimento que o ISG domina desde 2005 é o uso do capacete para ventilação não invasiva (Helmet). Com ele, impediu-se a intubação, ventilação mecânica invasiva, na maioria dos casos, o que por consequência também evita a sedação e permite colocar o paciente andando logo que possível, sempre em alinhamento com a equipe médica e multiprofissional. A reabilitação hospitalar, na qual o processo começa já no instante da internação, foi iniciada pelo ISG em 2012 no HDT (Hospital de Doenças Tropicais), em Goiânia. É um trabalho de equipe que começa com a assistente social, passando pela psicologia, enfermagem, ações médicas, fisioterapia, terapia ocupacional e fonoaudiologia. O modelo é também pioneiro na aplicação de uma série de testes no ambiente hospitalar, sobretudo em unidades de terapia intensiva. São os chamados testes funcionais, antes usados em centros de reabilitação, de geriatria. Com esses testes, auxilia-se o paciente a alcançar os padrões necessários para viver fora do hospital. Por exemplo, é possível aferir em qual velocidade ele deve caminhar para atravessar uma rua em segurança.
Dando previsibilidade de desfechos, permitindo ajustar as ações às demandas que podem surgir. Nessa linha de cuidado, trabalha-se para que o paciente esteja habilitado a executar as tarefas essenciais da vida, como sentar, levantar e andar. Não faz diferença se é Covid, pneumonia, uma doença ortopédica ou neurológica, todos precisam dessas competências. No fim deste ano concluiremos uma pesquisa que envolve 400 pacientes acometidos pela Covid-19 e que passaram por esse processo de desospitalização. O estudo avalia os períodos de 30 dias, 90 dias e seis meses após a saída do hospital, almejando analisar como está a reinserção destes pacientes na sociedade. O objetivo é relatar os efeitos do modelo de desospitalização e reabilitação, de forma a consolidar os novos saberes ao lado dos conhecimentos tradicionais. Se a Covid-19 surpreendeu e ainda surpreende a sociedade com tantas perguntas que carecem de respostas, já temos a certeza de que o caminho para a vencer não passa por reinventar a roda. O fundamental é acreditar na Ciência, no conhecimento acumulado e na competência dos profissionais que dedicam suas vidas à saúde dos demais.
*Antonio Duarte é fisioterapeuta e assessor de Desospitalização e Reabilitação do Instituto Sócrates Guanaes
Artigo originalmente publicado no jornal O Estado de S.Paulo
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